terça-feira, 28 de junho de 2016
SOB OS ESCOMBROS DA DITADURA: O DESTINO DE BOILESEN
SOB OS ESCOMBROS DA DITADURA: O DESTINO DE BOILESEN: O DESTINO DE BOILESEN Dois carros seguiam o galaxie branco. Não demorou e o condutor percebeu que algo havia de estranho. Acelerou e te...
segunda-feira, 20 de junho de 2016
O DESTINO DE BOILESEN
O DESTINO DE BOILESEN
Dois carros seguiam o galaxie branco. Não demorou e o condutor
percebeu que algo havia de estranho. Acelerou e tentou uma curva rápida
objetivando desvencilhar dos carros já emparelhados. É encurralado. Um
tiro de fuzil atravessa o galaxie e o atinge de raspão. Desce do carro
empreendendo fuga o mais rápido que pode em direção a uma feira próxima, mas
uma rajada de metralhadora atinge-lhe as costas. Cai na sarjeta.
Carlos Eugênio da Paz[1] aproximou-se rapidamente
do corpo ensanguentado. Apontou sua arma para o rosto da vítima. Dizem que
foram 25 tiros[2].
O enterro seria em caixão fechado.
Chega ao fim a vida de Henning Albert Boilesen, mas sua
história secreta só então começa a ser contada.
Panfletos foram jogados no corpo de Boilesen após a execução,
espalharam-se pela rua e a seguinte mensagem era revelada:
"Como
ele, existem muitos outros e sabemos quem são. Todos terão o mesmo fim, não
importa quanto tempo demore; o que importa é que todos eles sentirão o peso da
JUSTIÇA
REVOLUCIONÁRIA. Olho por olho, dente por dente".[3]
REVOLUCIONÁRIA. Olho por olho, dente por dente".[3]
Afinal, quem era esse Boilesen? Por que foi assassinado? Por que tanto ódio? Dizem que havia miolos dele espalhados pelo chão. Como ele, existem muitos...
Desde
de dezembro de 1968[4]
vigorava no Brasil o AI5[5] e a oposição ao regime
perdeu as possibilidades de diálogo pela via democrática. Grande parte da
esquerda resolveu aguardar por dias melhores, mas uma pequena parcela optou
pela oposição armada. Grupos guerrilheiros se organizaram e planejaram
assaltos a bancos para financiar a luta armada. Os grupos pareciam obter grande
sucesso diante do despreparo da policia política (DOPS[6]) em combater os ataques
que eram taxados pelo regime como terroristas. O Estado brasileiro parecia
perder terreno e os guerrilheiros se sentiam fortes, esta era a percepção dos
dois lados. É nesse contexto que surgirá a Operação Bandeirantes (Oban); o
envolvimento de Boilesen com a Oban selaria seu destino naquela manhã de 15 de
abril de 1971 já descrita neste texto.
Boilesen nasceu na Dinamarca em 1916. Não era oriundo de classe
abastada; habitava um conjunto construído para pessoas que por si não podiam
ter moradia de outra forma. Gostava de esportes; teria jogado futebol e lutado
boxe. Veio para cá após se casar com a filha do cônsul dinamarquês no Brasil.
Tinha formação técnica em administração de empresas e contabilidade industrial.
Homem de certo magnetismo. Teria adotado o Brasil como pátria e se
adequado perfeitamente ao jeito que o país funcionava e vivido como se sua
fosse a nossa cultura. Ia aos jogos do palmeiras e, segundo seu filho Boilesen
Jr, chegava a ser preso por brigar na geral do Pacaembu. Falava um português
quase sem sotaque e era bem visto e respeitado pelos que o conheciam. Relatos
há que dão conta de que não simpatizava com comunistas, que não os queria por
perto, que não os queria mesmo existindo. Acreditava que os comunistas eram uma
ameaça a ser combatida. No documentário Cidadão Boilesen de Chaim
Litewski, em um determinado trecho conta-se que Boilesen ainda menino se deliciara
ao observar garotos de sua escola serem punidos pelos professores e que tal
fato se dera de forma que os professores não conseguiram ignorar. O
documentário, através de depoimentos levanta a possibilidade de haver em
Boilesen um lado oculto que poderia sim encontrar certo prazer em assistir suplícios.
Aquele homem expansivo, de sorriso fácil, amigável, poderia ter uma face
secreta macabra.
Voltemos a falar da Oban. Como disse anteriormente, parecia que os
grupos guerrilheiros estavam um passo a frente dos órgãos de repressão. O
Exército precisava unir esforços, centralizar esforços para desbaratar os
grupos “terroristas”, “caçar” os subversivos, obter informações, garantir a
manutenção da ordem social ameaçada pela sensação de insegurança que as ações
dos grupos poderiam levar. A Oban se submeteria ao exército, mas tinha seus
quadros preenchidos por integrantes de todas as forças armadas, policiais civis
e militares. O prédio em que funcionava fora cedido pelo governo do estado de
São Paulo e a prefeitura teria ajudado na parte estrutural (asfalto e
iluminação pública)[7].
A estrutura física, e o corpo de funcionários estavam então garantidos pelo
dinheiro público, mas entendia-se que para as demais necessidades de cunho logístico
devia-se também buscar apoio junto ao empresariado, pois eram diretamente
interessados no combate aos comunistas.
Reuniões foram feitas com o grande empresariado da FIESP e
empresas como ULTRAGAZ, FORD, VOLKSWAGEN, CAMARGO CORRÊA, bancos como ITAÚ e MERCANTIL fizeram
contribuições vultosas que possibilitaram à Oban planejar e fazer suas
operações. Boilesen que era o presidente da Ultragaz teria sido um contribuinte
entusiasta, mas não bastaria para ele contribuir, fazia visitas ao prédio da
Oban e não bastava também visitar, do ponto de vista do historiador Jacob Gorender, o
industrial deixava seu sadismo aflorar e pessoalmente assistia as torturas
realizadas naquele prédio. Sim, a Oban é considerada o órgão que inaugurou a
tortura institucional na ditadura, inaugurou a tortura como método para
obtenção de informações.
Integrantes de grupos guerrilheiros ou suspeitos de serem, quando
presos, eram levados ao prédio. O processo padrão era a nudez. As vítimas eram despidas e, depois de expostas, eram submetidas a choques elétricos, afogamentos,
pau-de-arara, espancamentos, cadeira do dragão[8]... Em se tratando de
torturas, para fazer com que a vítima falasse, entregasse os companheiros, os
aparelhos[9] ou os planos de ação, a
criatividade parecia infindável...
O presidente da Ultragaz teria sido responsável por importar dos
Estados Unidos[10]
um aparelho elétrico que foi apelidado de pianola Boilesen que era um aparelho
de choque que funcionava por intermédio de um teclado que lembrava o teclado de
um piano.
A associação do industrial com a Oban chamaria a atenção dos
guerrilheiros. Um julgamento feito pela ALN e MRT decidira pela condenação a
morte, o chamado justiçamento. As acusações eram:
1. Boilesen colaborava financeiramente com a Oban.
2. Boilesen participava das torturas da Oban.
3. Boilesen era agente da CIA[11]
4.
Boilesen cooperava
logisticamente nas operações da Oban[12]
Naquela manhã de 15 de abril de 1971, entre integrantes da ALN e
MRT eram nove guerrilheiros. Um deles, capturado e morto dois dias depois, Yuri
Xavier Pereira escreveria em seu diário:
“O último tiro foi dado a curta distância. Boilesen morrera.
Entramos nos carros e iniciamos o trajeto de fuga. Durante a fuga trocávamos
olhares de contentamento e satisfação.”
Um ex-militante da ALN, Antônio Carlos Fon, tentaria justificar o
sentimento de alegria que pairava na esquerda armada:
“As pessoas ficaram felizes sim com a morte
dele. Não dá, não dá pra negar! Dito hoje, parece chocante que você fique feliz
com a morte de alguém, mas só quem viveu aquela época, só quem sabe o
sofrimento que era ter os companheiros assassinados, o tipo de sofrimento que o
Boilesen causava as pessoas, pode entender como e porque as pessoas se
alegraram com a morte dele”
Homem fruto de uma época em que capitalismo e comunismo eram
aparentemente os dois únicos caminhos, um símbolo da união da elite brasileira
com governos ilegítimos onde a democracia na prática era um mero detalhe,
embora conservasse importância retórica; Boilesen, a mim parece, acreditava que
tudo era válido pela manutenção da ordem
vigente e no combate ao perigo comunista. As mãos de Boilesen estavam sujas de
sangue no momento que financiou a Oban e isso foi o determinante em sua
execução, mas ele não foi o único. Ele não era uma anomalia no meio social de
sua época. Seus executores já haviam alertado:
“Como ele existem muitos outros e sabemos quem
são”
_________________________________________________________________________________
[1] Comandava a operação.
[2] Hening Albert Boilesen Junior.
[3] Mensagem de autoria dos grupos
ALN (Ação Libertadora Nacional) e MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes).
[4] Os
primeiros grupos guerrilheiros surgiram antes do AI5 entretanto. Além dos
movimentos sociais que ocorriam com a classe média indo as ruas o Atentado de
Guararapes planejado pela AP (Ação Popular) foi usado como argumento para o
próprio AI5.
[5] Ato Institucional que
aprofundou o golpe de 64. Com o AI o congresso podia ser fechado pelo
presidente da república a qualquer momento por tempo indeterminado. Podiam ser
cassados os direitos políticos de qualquer cidadão. O habeas corpus para crimes
políticos também deixava de existir. As garantias individuais estavam suspensas.
[6] Departamento de Ordem Política e
Social.
[7] GASPARI, Elio; Ditadura Escancarada.
[8] A cadeira do dragão era de fato
uma cadeira a qual se prendia a vítima (nua). A base, o encosto e os braços eram de zinco e fios condutores de
eletricidade eram conectados a vítima nos
dedos dos pés, língua, orelhas, genitália ou onde quer que o torturador quisesse.
Acontecia também de jogarem água na vitima objetivando potencializar o efeito.
[9] Local onde se instalava
momentaneamente um grupo ou parte dele. Geralmente não se ficava muito tempo
num aparelho; o tempo era bem relativo, pois a qualquer momento poderia-se ter
que deixar um aparelho as pressas.
[10] Existe também a versão de que
ele mesmo teria inventado.
[11] Não se sabe ao certo o que levou
os guerrilheiros a crer nessa tese.
[12] Carlos Eugênio da Paz, informa
no documentário Cidadão Boilesen que
vários de seus companheiros que escapavam de cercos reparavam que haviam
caminhões da Ultragaz por perto fechando ruas.
BIBLIOGRAFIA
GASPARIN, Elio; Ditadura Escancarada
BIBLIOGRAFIA
MELO, Jorge José; Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do empresariado paulista à Oban/ Operação Bandeirantes, 1969-1971. UFF-RJ
LITEWSKI, Chaim; Cidadão Boilesen (Filme Documentário)
BATISTA, Wagner Braga; Artigo – Cidadão Boilesen e o Financiamento da Tortura no Brasil. UFCG.
O corpo de Boilesen após o justiçamento |
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